Projeto da UFCA desmistifica a educação sexual em escolas públicas de Brejo Santo

Publicado em 11/12/2019. Atualizado em 31/10/2022 às 17h44

Foto: Davi Moreira - Dcom/UFCA

No Brasil, o tema da educação sexual ainda é polêmico nas escolas. Grupos políticos e religiosos sustentam que abordar o assunto seria uma forma de destruir as famílias ou ensinar conteúdos não adequados. Já educadores e diversas entidades ligadas à saúde e educação, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), defendem que a discussão sobre educação sexual pode contribuir com o empoderamento de crianças e adolescentes. De acordo com o documento “Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade”, da Unesco, publicado em 2018, a educação sexual promove a saúde e o bem-estar, o respeito aos direitos humanos e à igualdade de gênero e o empoderamento de crianças e jovens para levarem vidas saudáveis, seguras e produtivas.

Em Brejo Santo, cidade do interior do Ceará, distante 72 km de Juazeiro do Norte, uma professora e uma equipe de estudantes do Instituto de Formação de Educadores (IFE), da Universidade Federal do Cariri (UFCA), também acredita nas transformações vindas a partir da educação sexual. Na tentativa de desmistificar o tema e tornar as informações acessíveis aos adolescentes, eles estão desenvolvendo o projeto “Educação sexual nos currículos escolar e acadêmico: sexualidade e gênero numa perspectiva sociocultural”, que promove oficinas e minicursos para estudantes de três escolas públicas: José Matias Sampaio (estadual), Liceu Professor José Teles de Carvalho (estadual) e Mestre Zé Luís Silva Ramos (municipal). A iniciativa está vinculada à Pró-Reitoria de Extensão (Proex), da UFCA.

A intenção, de acordo com a professora da UFCA, Elaine de Jesus Souza, coordenadora do projeto, é trabalhar com os conceitos principais da educação sexual, que são sexualidade, gênero, corpo e identidades, indo além da abordagem chamada de biológico-higienista, em que a discussão se restringe aos fatores biológicos, ao sexo, aos métodos contraceptivos e à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. “A gente trabalha numa perspectiva mais sociocultural. A gente aborda temáticas como sexualidade numa visão mais abrangente, do corpo para além do biológico. Fala também sobre questão de gênero, porque é uma das temáticas que eles têm mais dificuldade e desconhecimento”, disse a professora. São abordados ainda assuntos como diversidade sexual, homofobia, machismo e feminismo.

Estudantes da rede pública durante encontro do projeto Educação sexual nos currículos escolar e acadêmico, em Brejo Santo (Foto: Davi Moreira – Dcom/UFCA)

Atividades

Em cada uma das escolas, a equipe vai uma vez por semana. Os encontros duram de duas horas e meia a três horas, em algum espaço da instituição, com estudantes de diferentes séries. Além da parte mais conteudista, de explicação dos temas, os adolescentes têm a oportunidade de analisar artefatos culturais. Ou seja, trechos de filmes, letras de músicas e propagandas são analisados e debatidos com o grupo. “A gente discute, faz uma análise crítica com eles, o que torna tudo mais interativo e mais dinâmico”, explicou a professora. Há também a produção de fanzines, com os assuntos abordados nos minicursos, e atividades lúdicas. Na escola José Matias Sampaio, no último dia de encerramento das atividades do ano, a equipe levou o jogo de roleta “Tribunal de Opinião” sobre gênero e feminismo, produzido por discentes da disciplina de Educação Sexual, optativa ofertada no Instituto de Formação de Educadores da UFCA.

O jogo, pensado para adolescentes a partir dos 14 anos, tem como objetivo promover a igualdade entre as identidades de gênero. Foram chamados dois grupos de estudantes para participar. No par ou ímpar, os alunos decidiam quem seria contrário e quem seria favorável à situação sorteada. Os participantes rodavam a roleta para escolher entre situações em que se sentiriam homem, mulher, intersexual ou transexual. Escolhida a identidade, o juiz do jogo lia a situação. Por exemplo, como caiu na identidade de gênero feminino, todos os estudantes deveriam se sentir como mulher – um grupo defendendo a situação e outro fazendo as críticas. Uma das situações sorteadas foi a seguinte: o lugar da minha mulher é em casa, na cozinha, cuidando da casa e dos filhos. Enquanto um grupo defendia e outro criticava, o tema era debatido com todos os estudantes e a equipe que aplica o projeto.

Para Jadson Pereira da Silva, 18, estudante do 2º ano e um dos participantes do jogo, as aulas de educação sexual na escola estão sendo de fundamental importância para tirar dúvidas e desconstruir alguns mitos. “Eu aprendi mais sobre as relações, sobre o uso de preservativo. Eu tinha vergonha de ir ao médico para falar sobre isso. E hoje eu não tenho mais. Eu vou e pergunto mesmo”, disse. A estudante Jacqueline Inácio Rodrigues, 16, do 1º ano, também teve a oportunidade de aprender mais sobre como se cuidar e sobre gênero. “É muito bom, é aprender sobre o corpo. Também mostraram música para a gente ver o machismo na letra. A gente dança mais pela batida e muitas vezes não presta atenção no que está cantando”, contou.

A professora Elaine de Jesus Souza ressalta que o uso de artefatos culturais contribui para os estudantes perceberem as minúcias de uma linguagem preconceituosa. “A gente trabalha muito com a questão da linguagem e fala muito dessa questão do insulto ao outro. Às vezes, a questão não é relacionada à identidade sexual ou identidade de gênero, mas em relação ao peso, à questão étnico-racial. Para eles desenvolverem esse senso crítico, a gente trabalha muito a ideia da linguagem, de problematizar a linguagem sexista, misógina, machista. Por isso, a gente pega esses artefatos culturais para analisar essas letras de música que a gente canta e nem se dá conta do quão dissemina representações estereotipadas”, detalhou Elaine.

A diretora da escola José Matias Sampaio, professora Márcia Maria Rodrigues, afirmou que as aulas de educação sexual têm ajudado os estudantes a romper o preconceito. “Preconceito só vai mudar através da informação. E a escola é o lugar propício para isso para que o estudante passe a pensar e a agir diferente. É isso que a gente espera da escola quanto à questão social, para que os estudantes vivam em sociedade da melhor forma possível”, destacou. Ela contou o caso de um aluno trans, que está na luta pelo nome social, e como o projeto foi fundamental para ajudá-lo. Além disso, Márcia relatou o caso de outro discente da escola que era totalmente intolerante e mudou de comportamento, depois das aulas de educação sexual. “Eu sou muito agradecida ao projeto, a escola está de portas abertas. Foi uma quebra de paradigma”, frisou.

Dificuldades

Apesar dos benefícios, o projeto enfrentou dificuldades para se estabelecer. De acordo com a professora Elaine, isso ocorreu devido à cultura conservadora da cidade. “Houve escolas que não aderiram”. A professora Márcia informou que na escola onde ela é diretora um pai chegou dizendo que não concordava com a participação do filho nas aulas de educação sexual. “Na conversa, ele falava como se a escola tivesse incentivando alguma decisão do filho. Eu disse: ‘Não, o curso passa informações para o seu filho e ele precisa dessas informações que vão ser válidas pra vida dele’”, disse. Houve um professor, que queria estar presente nas aulas para ver que tipo de conteúdo os estudantes estavam aprendendo, e alguns estudantes também, de início, disseram que não queriam participar do curso. Como o projeto ocorre na escola desde setembro, a comunidade escolar já está mais informada sobre o assunto, e esses comentários, segundo a diretora, reduziram.

Aprendizado na graduação

O projeto de extensão não beneficia somente os estudantes das escolas. Os discentes da UFCA que trabalham na iniciativa também aprendem mais sobre o tema, desconstroem pensamentos e se capacitam para futuramente estarem em sala de aula como profissionais. Elania Francisca da Silva, estudante de Biologia da UFCA e bolsista do projeto, disse que o aprendizado já auxiliou bastante no estágio. “Durante meu estágio observo muito essas cenas de homofobia e até já cheguei a combater. Um aluno veio me agradecer, porque pararam de xingar ele em sala de aula”, contou. José Felipe Alves de Sousa, estudante da Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais e Matemática e que também é bolsista de extensão do projeto, acredita que a participação amplia os conhecimentos dele sobre o tema, principalmente capacitando para abordar os assuntos de uma forma mais adequada. “Eu acho que a gente tem que abordar esse tema da educação sexual com novas metodologias”, destacou.

Serviço

Instituto de Formação de Educadores (IFE/UFCA)
Campus Brejo Santo
(88) 3221.9590
ife@ufca.edu.br

Pró-Reitoria de Extensão (Proex/UFCA)
Campus Juazeiro do Norte
(88) 3221-9286
proex@ufca.edu.br