Mês do Orgulho LGBTQIAP+: servidor da UFCA compartilha experiência de ser pai de uma mulher trans

Publicado em 28/06/2022. Atualizado em 31/10/2022 às 15h30

Laisa é uma engenheira civil de 28 anos que iniciou seus estudos superiores na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Concluiu o curso na Technological University of the Shannon, na Irlanda – país onde vive até hoje. Graças à tecnologia, ela faz videochamadas todos os dias para conversar com a mãe, Janice, que precisa se certificar diariamente que tudo corre bem com a filha em terras estrangeiras. 

O pai, Márcio Gandhi Figueiredo, chefe do Núcleo Gestor da Secretaria dos Órgãos Deliberativos Superiores (Seods/UFCA), afirma que, desde a infância, Laisa, apesar de ter nascido com o sexo biológico masculino, já demonstrava se identificar com formas de ser e estar no mundo distantes da que habitualmente nomeamos masculinas: “Desde a infância, a gente percebia nos trejeitos, nos gostos. Em relação a brinquedos, ela gostava de bonecas. Quanto a roupas, também, já na infância, ela tinha interesse mais na roupa tida como feminina que na roupa tida como própria do sexo fisiológico. Há muitas maneiras de identificar: a voz, o entrosamento maior com pessoas do sexo oposto na escola. Então a gente identificou desde novinha”, relata.

Conforme Gandhi, Laisa, até os 17 anos, utilizava roupas que “ela não queria usar”, nas palavras do pai: “E aí a mãe olhava e insistia para ela comprar uma roupa melhor, mas ela só queria uma roupinha básica… A blusa [que ela, Laisa, usava] era sempre a mesma. Então, ela não tinha nenhum prazer em fazer uma compra de roupa. Com certeza, ela sofria muito com isso”, avalia.

Aos 17 anos, Laisa – que, a exemplo de outras pessoas  LGBTQIAP+, não teve o privilégio de ter sua identidade de gênero e/ou sua orientação sexual considerada “normal” pela sociedade – finalmente verbalizou como se sentia para a família: “Ela explicou para a mãe que não era heterossexual. Ela [Laisa] também não sabia de tanta coisa [diferença entre identidade de gênero e orientação sexual]. A gente conversou. Tava tudo bem, mas a minha esposa ficou preocupada”, recorda.

Segundo Gandhi, após se abrir com a família, a jovem passou a se vestir com roupas que se aproximavam de sua identidade de gênero e que são consideradas pela sociedade como “femininas” – o que despertou na mãe o receio de que Laisa sofresse algum tipo de agressão na rua: “Antes de encontrar literatura que falasse sobre todas essas siglas e classificações, a minha esposa perguntava para nossa filha por que ela, sendo homossexual, precisava também vestir saia e outras roupas tidas como femininas. Na verdade, as duas não entendiam essa necessidade”, lembra Gandhi.

Após encontrar um livro que explicasse várias designações no sistema sexo-gênero, a mãe de Laisa teve seus primeiros contatos com o conceito de “transgênero”: um termo guarda-chuva que se refere, entre outras expressões, a travestis, a homens trans, a pessoas transmasculinas e também a mulheres trans, como é o caso de Laisa. O conceito une o prefixo “trans” (que significa “além de”) à palavra “gênero” (do latim genus, que significa “nascimento”, “família” ou “tipo”). Diferente de termos como “lésbica”, “gay” e “bissexual”, transgênero não diz respeito a orientações sexuais, mas sim à identidade de gênero, que é a forma como a pessoa  se sente e se percebe em relação a gênero.

Laisa, portanto, é uma mulher transgênero (ou simplesmente trans): uma pessoa que nasceu com o sexo biológico masculino e que não se identifica com o que conhecemos como “homem” – mas sim com o que conhecemos como “mulher”. Com o avanço dos estudos de gênero, hoje se compreende a imposição a que todos nós somos submetidos, desde o nascimento, para performarmos o gênero socialmente condizente com o sexo biológico. Aqueles e aquelas que correspondem a essa imposição são conhecidos como “cisgêneros”, ou simplesmente cis.

“Após ler esse livro, ela [mãe de Laisa] compreendeu a diferença [entre ser homossexual e ser transgênero]. Você veja: só o fato de a pessoa compreender o significado de uma palavra, já muda todo o panorama. Ela procurou tanto [informação] e, quando encontrou, ela se sentiu bem melhor”, disse Gandhi, que acredita ser importante produzir e divulgar cada vez mais informação sobre gênero e sexualidade.

Ouça a entrevista completa com o servidor da UFCA, Márcio Gandhi Figueiredo, realizada pela jornalista Ana Paula Lima e pelo estudante de Jornalismo, Vitorino Silva. 

Dia do Orgulho LGBTQIAP+

A história de Laisa, que segue feliz e bem-sucedida com o apoio de sua família, poderia ter sido vivida, de forma semelhante, por muitas e muitos LGBTQIAP+ que perderam a vida em crimes de ódio fomentados pelo preconceito. Só em 2021, houve, no Brasil, pelo menos 316 mortes violentas de pessoas não heterossexuais ou não cis, conforme Dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ (link para uma nova página).

Em um contexto de tanta adversidade para a livre expressão da afetividade e/ou da identidade de gênero (não apenas no Brasil), “ter orgulho” de ser algo distinto de cisgênero e heterossexual é um ato, fundamentalmente, de coragem – o que explica a inadequação de propostas como implementar o “dia do orgulho hétero”, considerando que pessoas heterossexuais e, ao mesmo tempo, cisgênero já são socialmente aceitas.

Celebrado anualmente em 28 de junho, o Dia do Orgulho LGBTQIAP+ também é um marco contra a violência a essa população e vai além das festividades de uma data específica. A data refere-se ao início de um movimento de resistência a perseguições sofridas por homossexuais. A Revolta de Stonewall Inn, iniciada em 28 de junho de 1969, na cidade de Nova Iorque, inspiraria protestos e levantes pelos dias, meses e anos seguintes, em todo o mundo. 

LGBTTTQQIAAACPPF2k+

Outra violência a que pessoas LGBTQIAP+ são submetidas é a da invisibilidade. Pelo fato de que a livre expressão da identidade de gênero ou da orientação sexual traz consequências nem sempre positivas, muitas e muitos ocultam suas realidades para suas famílias e amigos – o que também alimenta a noção equivocada de que o “comum” é ser heterossexual.

Isso pode explicar o fato de que, no Brasil, 94,8% da população adulta, o que equivale a 150,8 milhões de pessoas, identificam-se como heterossexuais, conforme pesquisa realizada em 2019 pelo IBGE (link para uma nova página). No mesmo levantamento, cerca de 1,8% da população se declarou homossexual, bissexual, ou de outra orientação sexual. O percentual foi menor que o de pessoas que se recusaram a responder (2,3%).

Como relatado por Gandhi na entrevista concedida à Diretoria de Comunicação (Dcom/UFCA), era comum, há algumas décadas, tratar todas as formas de identidade de gênero e de orientação sexual pelo termo “homossexuais”, geralmente de modo pejorativo. 

Conforme se aprofundam os estudos de gênero e sexualidade e a atuação política de seus atores, designações a pessoas LGBTQIAP+ vêm mudando ao longo do tempo – bem como o tom da referência a essas pessoas.

Sobre siglas, uma das primeiras difundidas no Brasil foi GLS, que significava “gays, lésbicas e simpatizantes”. Outras variações subsequentes foram GLBT, LGBTTT e LGBTI+. Em 2008, durante a 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (link para uma nova página), realizada com apoio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, houve uma votação que decidiu por tornar oficial a sigla “LGBT” no Brasil.

A expansão da quantidade de letras na sigla representativa, apesar de parecer confusa para muitos, é defendida por estudiosos de gênero e sexualidade como forma de demonstrar a pluralidade das expressões humanas nesse contexto e, ainda, de dar visibilidade a todos os grupos ali representados, evitando assim o equívoco de tratá-los como “a mesma coisa”.

Hoje, a versão expandida da sigla é LGBTTTQQIAAACPPF2k+, que faz referência a:

L: Lésbicas
G: Gays 
B: Bissexuais
T: Transgêneros
T: Travestis
T: Transexuais
Q: Queers
Q: Questionando-se
I: Interssexuais
A: Assexuais
A: Agêneros 
A: Aliados
C: Curiosos
P: Panssexuais
P: Polissexuais
F: Familiares
2: “dois espíritos” ou gêneros não binários
K: do inglês Kink, que significa “fetiche”

 Anos atrás, por exemplo, Gandhi seria compreendido como parte da letra “S”, os simpatizantes. Hoje, com a atualização dos estudos de gênero, ele está na letra “F” da sigla expandida – que designa os familiares de pessoas da comunidade LGBTQIAP+. 

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